Desde ontem, quem anda pelas ruas de Vitória tem a chance de encontrar um transporte incomum no Brasil: o tuk-tuk. O modelo elétrico começou a rodar na capital capixaba depois de um ano e meio de conversas e testes desenvolvidos pela Uber e Movida. Por enquanto, estão rodando 26 unidades do triciclo adaptado. Entre todas as modalidades oferecidas pelo aplicativo de transporte da cidade, essa será a mais em conta para o usuário.
Diretor executivo comercial e de marketing da Movida, Jamyl Jarrus lembra que não é a primeira parceria entre as duas empresas. No caso do tuk-tuk, explica o executivo, assim como em outros negócios na área de mobilidade desenvolvidos pela companhia do setor de locação de veículos, a novidade vai demandar cautela e não haverá pressa no processo de expansão do modelo.
“Esse negócio tem algumas semelhanças com o de carros, porque exige manutenção, reposição de peças, por exemplo. Além disso, quando se investe em novas modalidades, é preciso levar em consideração qual é a infraestrutura oferecida. E, é claro, se não é apenas uma necessidade efêmera”, diz Jarrus. Segundo o executivo, a validação do modelo de aluguel de tuk-tuks levou tempo para ser definida porque exigiu uma série de regulamentações. Entre elas, uma autorização do poder público para que o veículo pudesse funcionar no modelo proposto pela Uber.
A Movida não antecipa quais são os planos que tem para o projeto. Mas o executivo aponta algumas características das cidades que poderão contar com esse tipo de serviço: sem trânsito intenso e com qualidades turísticas. Além disso, graças à potência do motor elétrico e do veículo, que transporta motorista mais dois passageiros, não é possível usá-lo em lugares com muitas ladeiras.
O lançamento do tuk-tuk acontece em um momento delicado para as empresas que trabalham com outro novo meio de transporte, o patinete. Há menos de uma semana, a Grow (união dos negócios da mexicana Grin e da brasileira Yellow, anunciada em janeiro do ano passado), anunciou uma revisão de seus planos no Brasil para a operação dos patinetes elétricos e promoveu um enxugamento das cidades onde o aplicativo de aluguel está disponível.
Semanas antes, outra startup revelou seu descontentamento com a operação desse meio de transporte. A americana Lime comunicou que, apenas seis meses após começar a oferecer seu serviço de aluguel de patinete no Rio de Janeiro e São Paulo, deixaria o país. Na reformulação do negócio, foram excluídos do mapa da companhia outras cidades da América Latina, como Bogotá (Colômbia), Buenos Aires (Argentina), Montevidéu (Uruguai), Lima (Peru) e Puerto Vallarta (México).
No caso da Grow, a decisão foi por manter o serviço apenas em algumas cidades. As bicicletas amarelas, que por meses tomaram algumas ruas de cidades como São Paulo, estão temporariamente fora de circulação. Por meio de comunicado, a empresa informou que “a decisão foi tomada para que a companhia promova um ajuste operacional e continue prestando serviços de forma estável, eficiente e segura.”
Deixaram de ter a operação da Grow, além de Belo Horizonte e Brasília, as cidades de Campinas, Florianópolis, Goiânia, Guarapari, Porto Alegre, Santos, São Vicente, São José dos Campos, São José, Torres, Vitória e Vila Velha. A empresa decidiu levar os patinetes dessas praças para onde o serviço será mantido. No caso das bicicletas, sem data para voltar, foram tiradas de circulação até que, de acordo com a empresa, seja feito um processo de “checagem e verificação das condições de segurança”.
Ao puxar o freio de arrumação, a Grow espera adotar um outro modelo de negócio. No lugar da operação 100% própria, que encarece a operação, a ideia é conseguir parcerias públicas e privadas para, segundo o comunicado, “fortalecer e expandir sua operação”. A companhia garante, apesar da decisão, que ainda há espaço para o mercado de compartilhamento de patinetes e bicicletas crescer.
A Grow atua em sete países da América Latina e realizou cerca de 20 milhões de corridas desde o início das duas marcas, em agosto de 2018. Quando a brasileira Yellow lançou o serviço de aluguel de bikes, seus fundadores garantiram que os casos de depredação não eram em volume suficiente para que causassem preocupação.
Além de bicicletas destruídas e largadas pelas calçadas das cidades, o que se começou a ver com o tempo foi o abandono e os furtos de patinetes. Com o aumento do número de usuários, esses aplicativos passaram a registrar mais reclamações de clientes insatisfeitos com a qualidade. Uma das queixas era a dificuldade em encontrar veículos com as baterias carregadas.
Vinicius Picanço, professor de operações e design sustentável do Insper, avalia que a fase ainda é de experimentação das novas alternativas para micromobilidade tanto por parte das startups quanto em relação aos usuários. Isso explica o fato de se ver correções de rota. “As empresas vão testando modelos de negócios, mudando os artefatos, na tentativa de derrubar custos e ter um modelo que pare de pé. A demanda é grande por alternativas de micromobilidade, mas não há modelos inquestionáveis”, avalia o estudioso.
A exceção, segundo Picanço, são as bicicletas compartilhadas e ofertadas em estações, ou docas, que dão sinais de consolidação do modelo. Nesse caso, analisa o especialista, os custos de operação são menores diante da previsibilidade – o gestor sabe onde estão as bikes e isso permite posicionar funcionários para os serviços de manutenção e até reposicionar as áreas destinadas para a retirada e entrega do veículo.
Já veículos como os patinetes, lembra o professor do Insper, apresentam características que podem comprometer o negócio, como o seu preço e o valor cobrado do usuário (às vezes mais caro do que serviços de app de carro compartilhado), e a curta vida útil de um produto que é feito de plástico e metal.
Picanço acredita que o tuk-tuk, por ser um híbrido entre bicicleta e carro e já representar alguma referência para os brasileiros por causa do uso em países asiáticos, poderá ter mais apelo. Ele destaca ainda o fato de o negócio ter surgido a partir de uma parceria entre duas empresas. “É algo a se ficar de olho”, diz.
Por definição, o diretor da Movida classifica o tuk-tuk como um modelo intermediário de transporte entre o carro e o serviço de mototáxi. “Serve para quem tem um pouco mais para gastar e está em busca de mais segurança”.
Silvia Penna, gerente de operações da Uber, se diz animada com a novidade. “Os veículos são abertos, o que tem tudo a ver com o clima do litoral capixaba, e vão oferecer uma experiência inédita para os brasileiros, que está acontecendo nesses primeiros meses do ano, quando as temperaturas estão altas e o número de viagens aumenta nessa região da cidade”, diz.
A executiva da Uber descarta o risco de a nova modalidade canibalizar os outros serviços da empresa, oferecidos pelos motoristas de carros. “São produtos distintos que oferecem opções diferentes para as pessoas se movimentarem por Vitória. Os Tuks proporcionam uma experiência e as viagens de carro, outra. Não são produtos concorrentes.”
É preciso melhorar a regulamentação
Doutora em transportes, Adriana Modesto e pesquisadora voluntaria da Universidade de Brasília, destaca a importância de surgirem alternativas para atender a demanda da micromobilidade, que atende a trajetos curtos ou que podem ser complementados com outros meios de transporte, como ônibus e trem.
A estudiosa defende que haja mais interação entre o poder público e as universidades na busca pelos melhores modelos de regulamentação. Ainda hoje, lembra a especialista, há debates em torno da regulação do serviço de aplicativos de transporte por falta de planejamento. Quase sempre as novidades em micromobilidade chegam antes da regulamentação, o que acaba por provocar atritos.
“Não podemos colocar freio na mobilidade, temos de nos adequar aos novos modos de deslocamento. Mas há uma série de aspectos que não são levados em conta nesse processo de expansão de serviços, como a fragilidade na segurança viária e a falta legislação. Quanto mais chancelados por uma legislação que contemple esses serviços específicos, mais seguros nos sentiremos”, analisa Adriana.