O recente caso do “Dieselgate” estampou manchetes em todo o mundo e expôs a gravidade e as consequências de ações antiéticas realizadas pela Volkswagen. Não é a primeira vez que iniciativas assim são praticadas. Também não é exclusividade da marca alemã. Em muitos casos de recall, por exemplo, os consumidores de várias montadoras sentiram o amargo sabor de serem enganados quando estas empresas escolheram deixar de lado a atitude correta e fazer o que era mais fácil e menos dispendioso.

Por CARLOS CAMPOS

Práticas deploráveis que impactam marcas e empresas

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O lado negativo de tais atos é realçado pela mídia, o que acaba obscurecendo as inúmeras ações socioambientais que estas mesmas companhias promovem há anos. A maioria das montadoras possuem fundações que viabilizam centenas de projetos de cunho socioeconômico e ambiental. A orientação negativista dos grandes canais de mídia não permite que o lado bom, correto e positivo das empresas seja devidamente noticiado e se sobressaia aos eventos negativos.

Entretanto, devemos reconhecer que, infelizmente, a cultura brasileira é marcada por traços de assistencialismo e malandragem. Não somos a exceção do mundo e o dieselgate comprova isso, mas devemos confessar que a nossa cultura não colabora para que a força moral prevaleça em todas as esferas da ação humana.

rabalhar corretamente no Brasil é visto muitas vezes como algo penoso, cansativo e insatisfatório. Felicidade é sair de férias perenes. Vocação e satisfação no trabalho são praticamente inexistentes no imaginário do brasileiro comum. É inegável que tomar atalhos e não fazer o que é certo é característica marcante do nosso “jeitinho brasileiro”. Nossa classe política, um subconjunto do que chamamos de povo brasileiro, e seus vergonhosos escândalos são provas cabais desta fraqueza moral.

Por este ambiente cultural, seria difícil não nos depararmos com práticas deploráveis também na distribuição automotiva. Infelizmente presenciamos e podemos ver, ainda hoje, algumas destas condutas sendo praticadas em diversos elos da cadeia de distribuição automotiva. Sem a pretensão de exauri-las e muito menos de generalizar sua existência, seguem abaixo exemplos vistos nos mais diferentes processos e unidades de negócio.

DISTRIBUIÇÃO NO ATACADO

A necessidade de reportar dados de emplacamento leva muitas montadoras a fazer coisas inimagináveis. Presenciamos verdadeiras guerras pela liderança de mercado, a ponto de as montadoras demandarem da rede, por exemplo, emplacar carros que estão em seu estoque, mesmo sem estarem vendidos. Já presenciamos executivos irem pessoalmente até a casa de clientes para perguntar o porquê de eles ainda não terem emplacado o seu carro.

EM VENDAS DE NOVOS

Quem já não viu ou sentiu a pressão de vendas do “último carro no estoque”? Uma coisa é usar técnicas de vendas de forma assertiva, outra é mentir ao cliente, prometendo, por exemplo, a entrega do carro em uma data impossível de cumprir.

NA AVALIAÇÃO DO USADO

Há também aquela história de vendedores indicando aos clientes parceiros multimarcas que vão avaliar melhor o carro em troca de uma comissão por fora. Além de prejudicar ilicitamente o negócio da concessionária, esta prática constrói no cliente uma lastimável imagem de falta de profissionalismo. Pode parecer inacreditável, mas há casos em que o próprio titular desvia carros para tais lojistas, escamoteando os resultados da empresa.

EM VENDAS DE USADOS

O carro usado do cliente é comprado todo equipado, com tapete, kit multimídia, insufilm, etc. Apesar de não serem valorizados na hora da compra, estes equipamentos são depois arrancados do carro do cliente para serem vendidos à parte em seguida. Diminuir o valor agregado a um bem, impactando até o giro de estoque, é uma insensatez ímpar. Algumas concessionárias também não recondicionam seus carros usados como deveriam. Se acontecer alguma falha dentro dos três primeiros meses e o cliente reclamar, aí sim executam o serviço. São aquelas pequenas digressões morais justificadas em nome da maximização do resultado no curto prazo.

EM SERVIÇOS

Histórias de clientes que vão a concessionária executar determinado serviço e são surpreendidos com a necessidade de trocas e serviços adicionais não faltam. Muitas delas são legítimas e verdadeiras, outras infelizmente foram plantadas por práticas execráveis. Venda e troca de peças desnecessárias ou até o roubo de peças que estão em perfeito estado, mas são trocadas por outras mais antigas. O que provoca o retorno do cliente e permite que o componente antigo seja reutilizado no recondicionamento de carros usados. A imaginação aplicada à usurpação pode surpreender bastante os inocentes e puros de coração.

NO CONTROLE DA SATISFAÇÃO DO CLIENTE

O cliente acabou de fechar o negócio e é abordado com um pedido singelo para o caso de ele receber um questionário de satisfação ou uma ligação telefônica: “por favor, dê uma boa nota, pois impacta na nossa remuneração”. Como a maioria destes indicadores de satisfação contam em sistemas de incentivo da rede, são feitas até ofertas de brindes aos clientes. Neste item, também há os vendedores que colocam o seu próprio telefone no cadastro do cliente, para tentar se passar por ele caso seja entrevistado.

Fazer o que é certo e ético muitas vezes é tido como ingenuidade e frequentemente como burrice. Tomar atalhos é o que os “inteligentes e espertos” fazem. O homem, porém, pode dizer não. Não ao atalho. Nesse “não” está o índice de sua grandeza, a maior demonstração e abertura de sua elevação moral.

Neste sentido, vale também realçar alguns contraexemplos, bastante frequentes e que nos estimulam na busca de uma vida mais reta. Com o Brasil em uma crise política e econômica sem precedentes, há donos de grupos de concessionários investindo em eventos institucionais que promovam a união e a moral da equipe, como uma forma de dizer “não” à crise. Dessa forma, nos deparamos com ações que nos fazem refletir sobre como encaramos as adversidades e o quanto nossas próprias ações podem agravar ainda mais o momento difícil.

Também não podemos esconder as incontáveis situações que ocorrem todos os dias em vendas e pós-vendas em que os clientes saem muito satisfeitos e positivamente surpreendidos com um atendimento transparente, honesto e atencioso. São atitudes assim que geram confiança e criam vínculo emocional capaz de resultar em recomendações e na lealdade do consumidor.

Em qualquer empresa ou país, seja na Alemanha ou no Brasil, precisamos extirpar primeiro os nossos, mesmo que mínimos, impulsos para buscar uma vantagem imediatista e ilusória, em detrimento de fazer o que é o correto e justo. Devemos refletir sobre nossos atos, buscar os inúmeros exemplos positivos em nossa volta, fomentar positivamente nossas escolhas e moldar nosso caráter.

Carlos Campos é Sócio Diretor da Prime Action Consulting

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