O fim do carro popular: entenda por que ele vai morrer em breve

O fim do carro popular: entenda por que ele vai morrer em breve

Fevereiro de 1993. Quem imaginaria que uma simples canetada nesse mês teria o poder de moldar todo o mercado automobilístico nas décadas seguintes. Foi a data em que se assinou o protocolo do carro popular, que baixou o IPI a 0,1% para modelos com motor 1.0.

Assim, seu preço despencou e as marcas inundaram as lojas com veículos despojados de equipamentos, que se tornaram objeto de desejo dos sem-carro. O segmento de entrada explodiu: sairia de 15,5% das vendas em 1992 para 69,8% em 2001.

Fevereiro de 2021. Trinta anos depois, esses modelos perderam a aura de desejável. Ao contrário, os consumidores torcem o nariz para um carro pelado de equipamentos e as concessionárias evitam deixá-lo na loja. Hoje o futuro desse segmento está em perigo, ameaçado por três tendências que decretarão o fim do automóvel popular. E cada uma delas isoladamente já seria forte suficiente para causar sua morte.

1) Consumidor não quer mais comprar 

As estatísticas são reveladoras: mostram que o carro de entrada como conhecemos hoje tende a desaparecer em breve. Em 2001, os automóveis com motor de 1.000 cm³ atingiram seu auge, com 69,8% das vendas. Depois foram caindo até chegar a 33,1% em 2016. Ou seja, mais da metade do segmento derreteu.

A partir daí, porém, ele voltou a crescer. Mas nada tem a ver com o carro de entrada. Ao contrário. Foi a tecnologia do motor 1.0 turbinado que passou a equipar cada vez mais modelos, quase sempre maiores e mais equipados. Hoje se encaixam nessa categoria veículos como VW T-Cross (a partir de R$ 99.000) ou Chevrolet Tracker (R$ 92.850). Fica claro, assim, que esse parâmetro de comparação já não serve mais.

Por sorte, a Fenabrave divulga o ranking de vendas dos chamados “veículos de entrada”. Analisando os números desde 2003, temos um retrato mais apurado do quanto os carros mais baratos do Brasil estão sumindo do mapa. O gráfico abaixo já diz tudo: passaram de 49,1% em 2003 para 12,7% em 2020. Ou seja, 3/4 do segmento desapareceram. O que nos leva à segunda tendência do mercado.

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2) Marcas não querem mais vender

Não é segredo para ninguém que os fabricantes decidiram sair dos segmentos que têm pouca margem de lucro, que é o caso dos veículos pequenos e com pouco conteúdo. Trata-se de um movimento mundial.

A Ford fechou suas fábricas no Brasil por ordem da matriz, que em 2018 resolveu deixar de investir nos automóveis de passeio e centrar esforços em SUVs e picapes, que oferecem margens mais gordas.

Carlos Tavares, o novo presidente da recém-criada Stellantis (fusão entre FCA e PSA), já deixou claro que não vai sacrificar suas margens apenas para ganhar mercado.

No Brasil, a Volkswagen abriu mão de perseguir a liderança para aumentar a lucratividade de seus produtos, apostando no dinheiro fácil proporcionado pelos SUVs.

Portanto, carros pequenos e baratos não fazem mais sentido no Brasil. Até porque os que sobraram hoje são comprados muito mais por frotistas e locadoras – que muitas vezes resultam em margens negativas para as fábricas.

Em 2003, as vendas diretas representavam 47,5% no VW Gol; em 2020, disparou para 71%. A situação do Uno é ainda pior: explodiu de 53,7% para 93,6%. Sem falar do encolhimento do volume total: antes o Uno vendia 96.466 unidades e, em 2020, não passou de 22.737 – o que explica a Fiat cogitar em tirá-lo de linha neste ano. Conclusão: as marcas vendem menos carros de entrada e o pouco que vende não rende dinheiro.

Até a Europa está sofrendo. Os fabricantes locais reclamam que está difícil permanecer nesse segmento: alguns preveem que ele pode desaparecer em dez anos. Não bastassem os lucros diminutos, muitos modelos não conseguirão atender aos limites de emissão impostos pela legislação antipoluição. A saída seria eletrificá-los, mas isso só faria os custos aumentarem demais num nicho sensível ao preço. O que nos leva à terceira tendência.

3) Os preços vão ficar proibitivos 

Se os consumidores já reclamam hoje do preço de carro 0 km em geral, eles podem se preparar para o que vem aí para os veículos de entrada.

O aumento da exigência do público e a inclusão de novas tecnologias para cumprir normas de segurança e emissões vão promover uma escalada de preços ainda maior nos automóveis mais baratos.

Do lado do consumidor, não para de aumentar a demanda por equipamentos de conforto que no passado eram dispensáveis. Em 2019, o ar-condicionado estava presente em 97% dos novos carros, o câmbio automático em 49% e a central multimídia em 40%.

Do lado da legislação, em 2024 o teste de impacto lateral será exigido para a homologação dos automóveis vendidos no país e vão se tornar obrigatórios controle de estabilidade, luzes de uso diurno (DRL), indicação de cintos desfivelados e ajuste de altura dos faróis.

Com limites de emissões mais rigorosos, também temos pela frente a nova fase do Proconve (equivalente ao Euro 6 adotado na Europa em 2014), prevista para 2022, mas que deve ser adiada por causa da pandemia. Ainda assim, não dá para escapar: os futuros motores terão de ser cada vez menos poluentes e, portanto, mais sofisticados e caros.

No final das contas, a inclusão de tantos equipamentos pesará muito mais na planilha de custos dos modelos de entrada, pois esse acréscimo de conteúdo será proporcionalmente muito maior, o que acabará com seu grande atrativo: o preço. Será o fim do carro popular.

Fevereiro de 1993 nunca esteve tão distante.