Mobilidade tem virado motivo de apreensão em muitos círculos automotivos, especialmente entre os concessionários. A perspectiva do mercado de compra e venda de automóveis como o conhecemos diminuir significativamente em função da introdução da modalidade de venda de carro como serviços, onde o consumidor não mais possuirá um veículo e sim um contrato de serviços de mobilidade tem tirado o sono de muitos empresários.

Por CARLOS CAMPOS

Mobilidade é risco ou oportunidade para as concessionárias?

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Segundo um estudo recente da Universidade de Bocconi o mercado alemão no segmento de carros mais populares tem caído 8% ao ano por causa da oferta de automóveis compartilhados. Estatísticas recentes mostram que, no mercado Londrino, cada contrato de car sharing elimina, em média, 11 carros do mercado, trazendo um aumento na eficiência de ativos jamais vista. Se esta tendência realmente se concretizar, os grandes distribuidores localizados nos principais centros urbanos terão seus negócios virados de cabeça para baixo, se não transformados em pó.

Mas não são somente os distribuidores que estão preocupados. As próprias montadoras estão repensando seus modelos de negócio e, se não o fizerem, seguirão um caminho parecido, pois ficarão sob o domínio das grandes empresas de locação ou de novos players que estão de olho no potencial deste segmento. Hoje para cada 10 carros emplacados, uma média de 5 a 6 vem do canal de vendas diretas das montadoras a frotistas e os números só vem crescendo.

AS NOVAS TENDÊNCIAS AUTOMOTIVAS

Embalados por esta tendência, e começando a desenvolver plataformas de gestão de frotas e de relacionamento com seus clientes, este segmento vem crescendo a olhos vistos. Fabricantes desesperados em atingir suas metas sucumbem cada vez mais para alocar sua produção a este canal. Esquecem que cada carro vendido no curto prazo para locadoras é um cliente com alto risco de perda de relacionamento no médio ou longo prazos.

Hoje já há empresas que oferecem a plataforma online de oferta e gestão de carros compartilhados, de forma que qualquer lojista de veículos, locadora ou investidor pode ter seu próprio negócio de automóvel compartilhado, vendendo Mobilidade como Serviço (MAAS – Mobility as a Service). É só assinar o uso da plataforma, fazer um upload de seu estoque, customizar e começar a operar na nova modalidade. Em suma, a cada dia um novo modelo de negócio surge, novas possibilidades são criadas e o mercado que antes estava sob relativo controle das montadoras, toma vida própria e ameaça o status quo.

Se o cenário já é incerto pela discussão de propriedade versus posse, outras tendências disruptivas se agregam criando ainda mais desconforto e ansiedade. O carro autônomo tem um potencial transformador muito maior na indústria, principalmente nos grandes centros e no segmento de transportes. A tendência de aumento da conectividade embarcada gera também novas demandas técnicas e de serviços, mas as oportunidades de vendas de soluções e dados ainda não estão tão claras e definidas.

O carro elétrico, por sua vez, já sendo uma realidade tecnológica traz ainda incertezas do impacto da economia de escala no custo do veículo e na adequação da infraestrutura da sociedade.

COMO ENTENDER O NOVO CONSUMIDOR?

O fato é que a adoção e integração destas novas tecnologias irá revolucionar este setor numa velocidade maior que a capacidade de adaptação da grande maioria dos players, tanto fabricantes como concessionários. Quando o ambiente está turbulento, o cenário está incerto e muitas variáveis ainda são desconhecidas, o ideal é voltarmo-nos para os princípios da modelagem de negócios, em outras palavras, para duas questões centrais: os desejos e preferências dos consumidores e o “economics” de como melhor atendê-los.

Por esta perspectiva devemos considerar que o que está acontecendo no setor é a confluência de novas tecnologias que está permitindo o lançamento de um produto, que é, na verdade, uma nova solução de transporte. Se por um lado ela traz a oportunidade de ampliar a oferta, provoca também a canibalização em certa medida da venda física dos automóveis.

Como todo lançamento de produto ou serviço, é importante se perguntar como, afinal, os clientes preferem comprar ou adquirir esta novidade. Em estratégia de acesso ao mercado estas preferências são chamadas de DPS (Demandas de Prestação de Serviços) e são estas que determinam o desenho de acesso ao mercado.

Por exemplo, os clientes que são atraídos por esta oferta de serviços de mobilidade preferem adquirir o serviço atrelado a uma única marca de veículos, ou gostariam de ter diversidade de marcas e modelos? A integração do serviço com outros meios de locomoção (ônibus, metro, bicicleta, etc.) é importante? Em que medida a conveniência espacial será crucial para a aquisição do serviço? O público está disposto a pagar mais por ela? Como segmentar o mercado? Há diferenças entre estas preferências pela idade do consumidor, ou pelo perfil de cidade em que vive, ou ainda pelo desejo de flexibilidade e tipo de uso que possui de seu carro?

Responder a estas e a outras questões estratégicas e definir um plano de preparação do negócio capaz de construir as competências que serão demandadas neste novo cenário será o determinante para definir, entre as marcas e grupos de concessionários, aqueles que serão engolidos por estas tendências e verão seus negócios sucumbirem e aqueles que desempenharão a liderança desta transformação.

HORA DE REPENSAR A LEI RENATO FERRARI

Por todo este cenário, as associações de concessionários e de montadoras devem também começar a rediscutir a Lei Renato Ferrari. Já faz algum tempo que esta discussão se faz necessária. Ela perdeu toda aderência à realidade do mercado, sendo um entrave para o setor se adaptar às novas tendências e se proteger de novos players que não se encontram protegidos, ou melhor, presos por esta legislação.

Está na hora dos líderes deste setor discutirem, renegociarem e liderarem esta transformação sem amarras e protecionismos. Deverão fazer isso pensando em criar flexibilidade para se adequar à realidade do mercado, pois qualquer coisa diferente disso provocará um risco para toda a indústria, na medida em que novos players de fora do setor, não-amarrados a relação entre montadora e concessionário, irão se aproveitar da rigidez deste formato, criando modelos de negócio vencedores e ofertas mais atraentes aos consumidores.

Carlos Campos é Sócio Diretor da Prime Action Consulting

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