Lojas virtuais salvam fabricantes na pandemia

Lojas virtuais salvam fabricantes na pandemia

Válvula de escape para venda de eletrônicos e eletrodomésticos com o varejo fechado durante a pandemia, o e-commerce veio para ficar, abrindo espaço também para fabricantes terem suas próprias lojas online. Segundo pesquisa do Ibre/FGV, antes da pandemia a maior parte das vendas do varejo na categoria eletrodomésticos e móveis se concentrava nas lojas físicas: 6 em cada 10 empresas ouvidas afirmaram que as vendas online eram menos de 20% do total.

Após a quarentena, a proporção se inverteu: agora, seis em cada 10 empresas dizem que mais de 20% das suas vendas nessa categoria acontecem por canais virtuais. Movimento semelhante acontece na indústria. Segundo o levantamento do Ibre, 58% das fabricantes de bens duráveis (categoria que inclui eletrodomésticos e eletrônicos, entre outros) passaram a adotar novos canais de vendas depois da pandemia. O chamado “D2C” (direto ao consumidor) é uma das estratégias de atração e retenção de clientes da Whirlpool, detentora das marcas Brastemp, Consul e Kitchen Aid, no pós-Covid. Com as mudanças de hábito promovidas pelo distanciamento social imposto pelo coronavírus, a empresa vê oportunidades de vendas conforme os consumidores passam a investir mais em produtos para a casa e cozinha.

A Electrolux faz avaliação parecida. O crescimento das vendas digitais, apesar do freio no consumo no período, reforça a estratégia online da empresa e acelera o desenvolvimento de serviços de e-commerce próprios, afirma o presidente da empresa, Jonas Samuelson, no relatório de resultados do segundo trimestre. O setor também espera que os efeitos da pandemia sobre as prioridades e a rotina do consumidor levem a um aumento na demanda por produtos associados a saúde e higiene. A Electrolux, por exemplo, vê potencial no aumento na demanda por aspiradores de pó, filtros de água e ar e máquinas de lavar louça e roupa.

As vendas online no Brasil de eletrodomésticos e produtos de ar e ventilação cresceram 95,4% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, afirma André Dias, diretor-executivo do Neotrust/Compre&Confie, empresa de inteligência de mercado especializada em ecommerce. O dado leva em conta tanto marketplaces do varejo quanto e-commerces de fabricantes.

“Se não fosse o e-commerce, a gente estaria numa situação muito mais delicada. O crescimento foi fantástico e veio muito mais rápido do que a gente esperava”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação da indústria elétrica e eletrônica (Abinee). Na categoria de equipamentos de informática e celular, o e-commerce chegou a responder por 70% das vendas em abril – no final de 2019, ele representava entre 30% e 35% das vendas, segundo dados fornecidos pela Abinee. Esse percentual deve cair até o fim do ano, mas a um patamar superior ao período pré-pandemia, entre 45% e 50% das vendas totais, segundo estimativa da associação.

O investimento em lojas virtuais próprias não é novidade entre a indústria, mas se acelera na conjuntura atual, diz Dias. O movimento coloca um desafio para os marketplaces do varejo, uma vez que a indústria consegue oferecer preços menores, já que elimina o elo intermediário.

“É necessária uma concertação entre varejo e indústria para não gerar discrepâncias no preço e canibalizar as vendas do varejista”, afirma Dias. Ele diz que, para além do preço, outros fatores influenciam a decisão de compra, como custo do frete, tempo de entrega e opções de pagamento.

Um desafio para expandir a atuação online é a operação logística das entregas. Apesar do crescimento das vendas online no Nordeste durante a pandemia –foi a região cuja participação mais cresceu no período -, esse mercado ainda é concentrado no Sudeste. Nesse sentido, a capilaridade das redes de varejo favorece sua operação online, avalia Dias. No entanto, grandes marketplaces sem loja física vêm criando novos centros de distribuição para ampliar seu alcance. Em junho, o Mercado Livre anunciou a abertura de um centro de distribuição na Bahia, o primeiro fora de São Paulo. Em dezembro, a Amazon também abriu um centro de distribuição no Nordeste, localizado em Pernambuco.

Marcas atribuem ao câmbio alta significativa dos preços

Antes da pandemia, o preço de eletrodomésticos e eletrônicos vinha em uma tendência de queda, diante da apatia do mercado consumidor com o ritmo fraco da recuperação econômica. No entanto, após o choque provocado pelo novo coronavírus, o preço desses itens começou a subir. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor, calculado pela FGV, a alta foi de 0,76% entre eletrodomésticos e de 1,25% nos eletrônicos. A subida ocorre apesar de a retração da demanda ter se acentuado ainda mais no período para a maior parte desses itens.

Segundo o economista André Braz, responsável pelo levantamento, a variação decorre da desvalorização do real. Com o dólar acima dos R$ 5,00 os custos de importação de peças das fabricantes subiram, o que acabou sendo repassado ao consumidor.

Entre os eletrodomésticos, a maior alta foi registrada nas máquinas de lavar roupa, cujo preço subiu 2,77% entre março e junho. Fogão vem em segundo lugar, com alta de 1,45%. Segundo o comparador de preços Buscapé, uma geladeira Brastemp duas portas frost free podia ser comprada em fevereiro por R$ 2.398,00. No final de julho, o mesmo modelo saía por R$ 2.510,10. Um fogão 4 bocas Electrolux passou de R$ 628,23 para R$ 786,90 no mesmo período.

Computadores e periféricos (como tablets) foram os que mais subiram de preço entre os eletrônicos: 3,52%. A explicação para essa alta, no entanto, diverge das demais, uma vez que a demanda por esses produtos cresceu, impulsionada pelo home office e aulas online.

O preço de um notebook da Lenovo, por exemplo, subiu de R$ 1.363,64 para R$ 2.299,99 entre fevereiro e julho – uma diferença de quase R$ 1.000,00. Em relatório, a Electrolux aponta que a alta nos preços compensou parcialmente as perdas nas vendas na América Latina, de 24,2%.

A Whirlpool, por sua vez, elenca o câmbio desfavorável como um dos problemas em sua operação regional no período, limitando os efeitos das ações de redução de custo implementadas. “Os eletrônicos são muito dependentes de insumos importados. Entre junho e a média de dezembro do ano passado, a taxa de câmbio subiu 26,5%, então houve uma pressão de custos muito acentuada”, diz Barbato, da Abinee. Segundo ele, itens como computadores e celulares chegam a ter 70% de seus componentes importados do exterior.

O patamar alcançado pelos preços tende agora a se estabilizar, já que a perspectiva é que o dólar se mantenha na casa dos R$ 5, diz Braz. “Não acredito que haja muito fôlego para novos aumentos, até porque esbarra na questão da demanda, que já está enfraquecida.”.