Sempre que o mercado de veículos novos começa a engasgar, o segmento de usados ressoa novamente seus tambores demostrando que, em realidade, sempre esteve lá e agora mais vivo do que nunca. Ouvimos o início do seu ritmo em 2013, ganhou sonoridade e volume em 2014 e provavelmente será a tônica do mercado para 2015. Infelizmente, apesar dos fortes sinais, poucos se preparam e se profissionalizaram devidamente.

Por CARLOS CAMPOS

Leilão de Usados e remarketing: Ameaça ou oportunidade?

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A operação de usados é repleta de detalhes e contornos específicos. Para ser lucrativa, demanda foco, competência, processos e controles bem gerenciados. Saber avaliar e comprar, o quanto pagar, gerir os custos de recondicionamento, fazer um bom sorteamento entre unidades de varejo e atacado, gerir a idade do estoque, estabelecer preços competitivos no mercado, otimizar os processos de vendas e marketing, otimizar a velocidade de giro do estoque é realmente uma arte e um belo desafio para praticamente a totalidade das concessionárias de todas as marcas e de todos os portes.

Tendo a operação e os processos atuais muito baseados na experiência dos profissionais e com os custos elevados de estoque e de pátio, muitos concessionários até desistiram de operar a unidade de usados como um negócio. Simplesmente repassam os veículos que entram para parceiros lojistas, ficando com uma comissão por veículo. Acreditam que não vale o risco, temem serem roubados, e ter muito capital empatado. Para estes, é muito melhor repassar do que ter a dor de cabeça, o risco operacional e financeiro do negócio.

Outros – e arrisco dizer que é a maioria – operam o negócio como um filho bastardo da operação de novos. Uma vez que tem o veículo usado do cliente comprador do carro novo (trade-in), por que não tentar revendê-lo com algum lucro? É esta maioria que sofre com altos estoques, fraudes operacionais, capital empatado e, mesmo assim, conseguem gerar algum lucro na operação. Existem ainda aqueles, uma minoria, que opera a unidade de usados com agressividade e foco, buscando o máximo de lucro, mas ainda aos tropeços, aos trancos e barrancos em seus processos, ferramentas e sistemas de controle. Sabem o que deveria ser feito, pois conhecem o negócio, mas sentem dificuldade em como conduzir e manter a operação com processos e indicadores robustos no dia a dia. Se existe uma área onde a oportunidade de melhoria de resultados é enorme, esta área é a de usados.

Para contribuir neste processo de profissionalização surgiram algumas ferramentas que ajudam as concessionárias a controlar melhor a operação desde o processo de avaliação até o repasse do veículo. Algumas revendas começam a promover “mini leilões” on-line com lojistas independentes para maximizar o valor de repasse de seus veículos. Ao invés de trabalhar com parceiros tradicionais, correndo até o risco de fraudes no processo, os concessionários passam a controlar o repasse e a promover uma competição não somente entre aqueles lojistas tradicionais, mas muitos outros na base do sistema, fazendo o valor do carro subir pela concorrência inerente do leilão. O resultado tem sido positivo a ponto de alguns concessionários desfocarem do seu negócio de varejo e promoverem todos os seus carros usados via leilão, em uma visão totalmente míope e de curtíssimo prazo. Esquecem que a agregação de valor no atendimento aos seus clientes é de medular importância para qualquer negócio e que intermediários sem valor agregado estão fadados a desaparecer.

Sem uma carteira de clientes de usados, o negócio ficará estrategicamente à mercê da operação de novos e de quanto durar esta fugaz lucratividade de repasse via leilão. O desmantelar das competências, da equipe, da imagem de mercado, do evoluir dos processos e controles e da carteira de clientes de usados enfraquece sorrateiramente a operação de novos e a própria sobrevivência da empresa a longo prazo.

Um olhar para mercados mais maduros, como os Estados Unidos ou a Europa, pode dar pistas do que representa a unidade de negócios de usados para uma concessionária automotiva.

Ao observarmos o histórico de lucratividade dos departamentos de veículos novos e de veículos usados nos últimos 10 anos nos EUA, vemos como é estável, sólida e relevante a contribuição da operação de usados para as concessionárias americanas.

A proporção entre veículos vendidos no varejo e vendidos no atacado é de cerca de 60% e 40% respectivamente. Quando analisamos por unidade, o varejo tem, em média, lucro três vezes maior que o atacado.

Concessionária de veículos

Olhando os resultados publicados pela Carmax de 2013, o lucro bruto por unidade de usados vendidos em varejo foi de US$ 2.170, enquanto os vendidos em atacado foram de US$ 949, ou 56% menos. A importância estratégica da operação de usados fica ainda mais notória quando se vê que o lucro bruto por unidade de veículos novos reportado pela Carmax foi de $630/unidade, três vezes menor do que a de usados. Estes dados mais do que comprovam a importância da operação de vendas de usados no varejo para as concessionárias no Brasil em um futuro bem próximo.

Com as margens de novos caindo a olhos vistos, o mercado estagnado e as montadoras com capacidade ociosa, a rede não pode esperar outra coisa se não uma crescente pressão em suas margens. A busca pela lucratividade no negócio de usados passa a ser condição mandatória para os concessionários automotivos.

As empresas que só repassam seus usados hoje terão de repensar este modelo muito brevemente. Quando a prática de leilão estiver disseminada, a oferta de carros para os lojistas independentes será farta e, assim, as margens dos repasses cairão vertiginosamente até se acomodarem em patamares similares aos de mercados mais desenvolvidos. Os concessionários lucram na operação de usados no varejo, e não no atacado. No varejo, a venda é para o cliente final. No atacado, é para um intermediário que terá seus custos e margens. Não há mágica, que isto fique bem claro. O que os mercados mais desenvolvidos ensinam é que o lucro dos usados no atacado é marginal e que a operação no atacado é necessária para segmentos de veículos que estão fora do foco de clientes alvo da concessionária.

Outra aprendizagem importante é que as concessionárias americanas e europeias não possuem sua operação de usados baseada apenas na captação de veículos do trade-in do carros novos e usados. Participam de leilões a busca de carros para compor o seu estoque. Nos EUA, a Manheim ou a America’s Auto Auction, e, na Europa, a BCA (agora também no Brasil) são empresas que prestam o serviço de Remarketing, que envolve aspectos como logística, recondicionamento, guarda, operação de venda e documentação do veículo. Estas companhias são grandes parceiras das concessionárias tanto na operação de repasse do usado como na captação deste para a revenda no varejo.

Nos Estados Unidos, em 2013, cerca de 25% das vendas de varejo realizadas pelas concessionárias vieram de compras feitas de leilões, a mesma ordem de grandeza do trade-in de usados.

Estas empresas não somente agregam valor na prestação de serviço para o segmento varejista, mas também para o corporativo, que é hoje um grande entrave para as concessionárias. Quando uma grande empresa ou locadora resolve fazer uma renovação de frota, lidar com a compra, logística, estocagem e revenda deste estoque não é tão fácil assim. Empresas de remarketing vêm agregar valor também neste segmento.

Concessionária de veículos

O perfil dos clientes e da idade dos carros também é mais elástico do que a média brasileira. Cerca de 50% das vendas são de veículos com mais de seis anos de idade; quase 20% são de nove anos ou mais – perfis que não são trabalhados pelas concessionárias brasileiras.

É fato que o perfil de carros em leilão hoje no Brasil não oferece muita atratividade para as concessionárias brasileiras. Mas isto irá mudar muito rapidamente. A BCA entrou no Brasil e a legislação para retomada de veículos de inadimplentes mudou recentemente, o que deve aquecer bastante o mercado de novos e de leilões.

Assim, as concessionárias que se prepararem para esta nova realidade da forma correta estarão dando um passo a frente em sua sustentabilidade e lucratividade no curto, médio e longo prazos. Ter foco no negócio e em seus clientes com processos robustos, sistemas aderentes, equipe capacitada e parceiros corretos no varejo e no atacado são os elementos críticos para o bom desempenho neste segmento.

Àqueles voltados ao puro repasse, ou que praticam leilão se desfocando do varejo, esta nova realidade vem como uma grande ameaça, dizimando a lucratividade, a clientela, as relações de parceira com os lojistas e deixando os concessionários reféns da lucratividade decrescente de novos e da operação de peças e serviços. Entretanto, para aqueles que buscam a profissionalização no varejo de usados e são ávidos por novas oportunidades de desenvolver seus negócios em novos segmentos, estas ferramentas de avaliação de mercado, práticas de leilão e remarketing caem como uma luva na nova realidade competitiva.

Carlos Campos é Sócio Diretor da Prime Action Consulting

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